segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Esquecendo as dores - Capítulo I

Capítulo I - Esquecendo as dores.

Estava sentado sozinho no sofá da sala dos professores lendo o jornal, quando entrou uma mulher da qual nunca tinha visto na escola. Era maravilhosa. Cabelos negros e encaracolados, um rosto fino e elegante - Me jogou um sorriso mostrando os dentes branquíssimos que exalava felicidade.
- Olá! - Disse a mim, jogando sua bolsa na mesa do centro e tirando o jaleco.
- Oi! - Disse a ela com meu sorriso amarelo exalando medo e covardia.

- Você é o professor Célio, então? - disse a mim com um tom de que tinham falado bem de mim. Mas quem seria? Os outros professores não costumavam trocar muitas palavras comigo, aliás, eu não costumo. Estava nessa escola a 8 meses, escola da qual estudei em minha adolescência. O único professor da minha época de aluno, era o único do qual conversava, Rômulo, o professor de história que me fez acreditar que lecionar era bom. Mas eu não tinha a voracidade dele. Não sei lidar com adolescentes. Sou covarde e quando algum aluno exclama que sou um fracassado e um péssimo professor, quase lhe dou razão. Eu amava português até lecionar a adolescentes e aprender que antes de ser professor, devemos ter autoconfiança. Quase dizia a meus alunos que tivessem uma profissão decente e que não fracassasse como eu. Aos 38 anos, solteiro, trabalhando em três turnos para não ficar sozinho em meu apartamento alugado, labrir o gás, fechar as janelas e acender a luz.
- Sim - sorri - e você, é quem?
- Cecília - me estendeu a mão - sou suplente do Glauco enquanto ele tá de licença.
- Matemática, então? - sorri o mais simpático possível.
- Exato, amo números. - arregalou os olhos balançando a cabeça, puxando a cadeira da mesa.
- Ha - fiz - Eu amo os números da minha conta do fim do mês.
Ela riu. Pegou alguns papéis da sua bolsa e começou a ler. Me pediu uma caneta, peguei uma em meu bolso e lhe estendi. Como o sofá era encostado na parede da janela e a mesa era meio metro de distância, ela se debruçou sobre a mesa para pegar. Pude ver seus seios diante o vestido folgado que usava. Ela percebeu.
- Rapidinho, só tenho que anotar umas coisas aqui - disse após se sentar novamente.
Meus olhos estavam fixos no jornal, mas minha cabeça estava em Cecília - O que uma moça tão jovem e bonita estaria fazendo sendo professora? E ainda mais, sendo suplente.
O sino toca e me levanto para ir em minha classe. Me despeço de Cecília.
Ela ficou com minha caneta.
Era a turma do terceiro ano D, a minha favorita. Era minha favorita, pois eu podia brincar com ela sem os alunos debocharem de minha cara.
Já em minha sala, em pé sobre minha mesa, a turma entra. Vários cumprimentos e saudações.
- A prova é quando mesmo, professor? - pergunta Rodrigo, o palhaço da turma. Diferente dos palhaços comuns das classes, ele era inteligente. Tinha talento no que fazia, o que não era, óbvio, estudar.
- A prova foi semana passada, Rodrigo - Falei.
Todos riram.
- Pô, professor, não deu pra vir, tinha muito trânsito. - Brincou. Já que morava na esquina da escola.
- Relaxa. - falei me levantando e apagando o quadro sem nada escrito. Era uma mania - terça-feira tem uma recuperação, mas vê se vem.
- Beleza. - respondeu Rodrigo.
- Bom, peguem o caderno que vou ditar.
Me sentei.
- Então porque apagou o quadro? - Perguntou Letícia, uma mocinha loira e toda estilosa.
- Pelo mesmo motivo que você vem pra escola e fica namorando pelos corredores - falei com um sorriso debochado
Todos riram e badernaram.
- Pelo menos eu namoro, diferente do senhor... - respondeu com sagacidade.
Riram mais ainda.
- Vou ditar não. Só quero que vocês copiem o diálogo do livro, na página 107, em casa.
- Qual página, professor? - perguntou um dos alunos.
- 107 - responderam por mim.
- Tudo isso professor? - perguntou Rodrigo.
- Se quiser, eu dito.
- Não, não, não, não. Vô copiar. - respondeu rindo.
Fiquei corrigindo algumas provas lastimáveis do segundo ano, enquanto os alunos conversavam e ficavam no celular - Nenhuma prova acima de 5. Era triste, mas não me abalava. Naquele momento eu já tinha esquecido minhas dores.


Logo menos, o II Capítulo...
INSÔNIOS! 

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