domingo, 6 de março de 2016

O Bilhete de Penélope - Capítulo 5

Capítulo V - O Bilhete de Penélope

Eu sonhava que estava sentado no 47° andar de um prédio, chorando pronto para pular, eu olhava pra trás e via um apartamento que não era o meu, mas com todas minhas coisas lá. Até que me joguei sem mais, sem menos. Acordei. Me virei e vi o rosto magérrimo adormecido de Cecília e a angústia do sonho já não mais me incomodava.
Me levantei, fui ao banheiro, me olhei no espelho e dei uma piscadela pra mim mesmo. Escovei os dentes e lavei o rosto. Me arrumando, Cecília acorda.
- Não me acordou, bem? - disse ela com a voz enrolada e se espreguiçando.
- Ainda não tá na hora, só gosto de ficar arrumado antes.
Fui até ela e a beijei. Selinho, é claro, ela tinha acabado de acordar.
- Vamo tomar café. - Disse ela.
Ela se levantou completamente nua. A luz do sol entre as persianas batia em seu corpo claramente desenhado. Sou ateu desde meus 10 anos, mas se realmente existiu um Deus, Cecília seria como Deus queria que fossem as mulheres e lá do céu sentia-se envergonhado, pela natureza criar a perfeição que nem ele conseguiu.
- O que foi que você tá me olhando? - ela riu pegando suas roupas do chão - Que vergonha, Célio.
- Você é perfeita, Cecília, como pode? - falei com um tom realmente de indignação.
- E se eu te falar que não pode?
- Bom, eu peguei bem em você e sei que não é silicone - brinquei.
- Bobo - vestiu da longa saia e a regata - tá, cadê o café?
- Lá na cozinha.
- A sala café, né? - bateu com o dedo em minha boca - bocudo.
Fomos até a cozinha e ela esquentou o bule com o café velho de um dia antes. Me sentei e apenas a fitava.
- Vai contar a alguém lá do Maria? - perguntei.
- Acho melhor não, né, Célio? Sou suplente e acabei de chegar lá. O que vão pensar de mim?
Ela tinha razão. Não pelo o que pensariam dela, mas o que também pensariam de mim.
- Vai querer que eu te leve? - me servi do café.
- Sim, né Célio. Só não precisa sair falando que tá comigo, entendeu?
Cabeção.
- Eu sou velho, já, Cecília, dá um desconto.
Ela deu um tapinha no meu nariz e também se sentou.
- Não foi o que eu vi ontem... Aqui... No mar.
Rimos juntos.
Ela engoliu um pedaço de bolo que estava na cozinha e de boca cheia disse:
- "vãom"

2

Chegando à escola, ela foi pra sua sala e eu para minha. Ia enfrentar o segundo ano e o Henrique. Mas nada disso tiraria minha facilidade.
Ao chegar em minha sala, soltei minha bolsa na mesa e me sentei. Já tinha alguns alunos lá, que tinham chegado antes do sinal.
- Professor, não vai ter recuperação mesmo? - perguntou algum dos alunos.
- Não. - respondi seco.
O sino toca e os demais entram na sala. Henrique me dá uma olhadela.
O aluno que respondi sobre a recuperação, já grita para todos "o professor não vai passar recuperação mesmo!"
A sala se agita e começa a barulhar. Me levanto e grito:
- Silêncio!
Ninguém me deu ouvidos. Gritei de novo, agora sim.
- Não darei recuperação, porém, todos ganharão dez, referente à correção do caderno.
A sala se agitou, agora alegremente.
- Pera aí, pera aí.. Todos receberão dez, menos o... Os alunos que não são dessa classe.
A classe inteira riu, pensando obviamente que talvez citaria Henrique, mas passei a aula inteira sem cita-lo ou ao menos olha-lo. Ele recebeu isso como um voto de paz, e realmente era.
A aula acabou e eu não tinha a próxima. Fui para a sala dos professores e sentei no sofá, o mesmo sofá onde estava quando vi Cecília entrar à uma semana - Como as coisas acontecem rapidamente, não é?
Só que aquele não era meu dia de sorte como àquele. Quem passou pela porta foi a dona Cristina, a mesma que pensava que eu era gay.
- Bom dia! - disse à ela com a simpatia e o tom mais gay que podia - Do que me adiantava a aceitação dela?
- Bom dia, Célio! Tá bonito hoje! - disse ela sorrindo mostrando seus dentes amarelados por culpa de cigarro e café, e realmente estava bonito. Usava as mesmas roupas, só que menos coxinha. Camisa branca, gravata fina preta, jaqueta, calça jeans e sapatos. Aboli as calças sociais e o colete.
- Obrigado, Cristina!
- A Helena tava preocupada com você, pelo o que aconteceu com o aluno do segundo ano, mas pelo jeito você tá muito bem!
- Tive um bom final de semana.
O dia passou e me sentia bem. Era incrível minha felicidade e, era mais incrível como nunca encontrava Cecília em meio as aulas. A noite começava e minha primeira aula seria com minha turma favorita, o terceiro ano D.
Cecília me faz uma visita em minha sala antes do sinal.
- Oooooi... - disse ela mostrando apenas a cabeça pela porta.
- Oi, Cecília. Não te vi o dia todo, né? Tem aula agora?
Ela entrou e se sentou na minha mesa.
- Não, vou embora já.
A dona Helena para na porta com as sobrancelhas arcadas. Olhei para ela.
- Tá tudo bem, Célio?
- Sim, por quê?
Que mulher metida.
- Nada não, Célio. - ela saiu andando.
O sino toca, os alunos entram, Cecília se despede de mim com um beijo, os alunos fazem "hummm" e ela passa pela porta sorrindo.
Deixa eu explicar porque digo que o sino toca - É porque na verdade é uma sirene, mas acostumei de chamar de sino, já que antigamente realmente era um sino.
- Tá pegando a dona Cecília, professor? - pergunta Rodrigo, com um sorriso debochado.
- Segredinho nosso - brinquei.
A sala se agitou, me sentei e alguns alunos me entregaram o diálogo que pedi na semana passada.
A dona Helena entra na sala - a turma ficou em completo silêncio - me chamou até a porta, fui até lá.
- Tá tudo bem, Célio? Me preocupo com você. - disse segurando meu ombro.
Dei um passo para trás, para que sua mão se soltasse de meu ombro.
- Tá tudo bem, dona Helena, não há com o que se preocupar ou há?
- Você anda agindo estranho ultimamente.
Vi Cecília andando pelo corredor. "Ela não ia embora?" Pensei. Ela me olhou com a cara franzida.
- Bom, Célio, então ok. Se cuide.
Voltei para minha sala. Me sentei e a sala se agitou novamente. Penélope veio até minha mesa e me entregou um papel dobrado.
- O que é isso? - perguntei a ela.
- Depois o senhor lê. - Respondeu voltando ao seu lugar.
O sino toca, me despedi dos alunos e sentado esperando a próxima turma, lembro do papel entregue por Penélope sobre a mesa. Abro e nele estava escrito "CUIDADO", somente isso, mais nada. O que afinal ela quis dizer com isso? Será que estava falando sobre Henrique? Ou talvez sobre Cecília? Ou ouviu a dona Helena falar sobre meu relacionamento com Cecília? Ou talvez só paranoia de minha cabeça? Afinal, cuidado de quê? Bom, era só uma aluna. Amassei o papel e segui com minhas aulas.



Logo menos, um novo capítulo. 

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