quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

A maconha - Capítulo 2

Capítulo II - A maconha.

Ao fim do meu turno, era dez da noite, chovia muito, fui correndo para meu carro. Abrindo a porta escuto:
- Célio! Espera aí! - Era Cecília gritando, correndo desajeitada e segurando a bolsa sobre a cabeça. Chegou em mim e disse:
- Tem como você me dar uma carona? Tá chovendo demais.
Hesitei por um momento. Porque ela pediria logo a mim?
- Por favor? - Disse ela com a cara que só as mulheres sabem fazer, antes de roubar seus órgãos.
-Ah, tá. Entra.

Ela entrou e eu também.
- Mora onde, Cecília? - perguntei no primeiro sinal vermelho, da rua da escola.
- Pode me deixar na Santa Cruz.
Se ela pediu para deixa-la lá e não que morava lá, certamente seria a casa de algum namorado. Não foi à toa que hesitei. Mas o que eu pensaria? Ela é minha colega de trabalho e mais, o que uma mulher daquelas ia querer comigo? Um homem de meia idade, uns 15 anos mais velho que ela, calvo, com sapatos e roupas baratas e um cavanhaque ralo grisalho.
- Você é casado, Célio? - me jogou a pergunta de modo que sabia que não.
- Não, não. Já tentei a alguns anos, mas casar não é pra mim. - esperei alguns segundos e com medo de olhar para ela, concluí perguntando:
- E você?
- Não, casada não. Por enquanto não.
- Você é nova, né? Quantos anos você tem? - perguntei só pra concluir o que já sabia.
- 23.
Eu ri.
- Se eu pudesse ter meus 23 anos de novo, jamais seria professor - brinquei.
- Ah, para! - bateu em meu ombro - você é um ótimo professor pelo o que me disseram. Eu sempre quis ser professora desde adolescente. Você queria ser o que?
- Não vou falar. - respondi seco.
- Ah, fala aí! Jogador de futebol? Dançarino, cantor, o que?
- Não.
- O que, então? Astronauta? - Perguntou com um deboche típico da idade.
- Poeta. - falei agora olhando para ela. Para enfrenta-la.
Ela começou a rir e eu também.
- Viu, não devia ter falado - pus a mão em minha testa envergonhado.
- Nada! Declama um poema seu.
- Não. Olha, qual parte do Santa Cruz? - cortei porque realmente não queria declamar.
- Pode seguir reto, é a última rua.
Ela percebeu que eu não queria declamar.
Quando virei a última rua, ela apontou e disse:
- Ali naquele prédio azul.
Parei o carro. Ela desceu. A chuva já tinha parado.
- Amanhã cê tem aula? - perguntei me abaixando para vê-la pela janela.
- Que dia é hoje mesmo? - me perguntou rindo.
- Quarta. - sorri.
- Ah, não. Só segunda. Mas olha, pega meu número, pra qualquer coisa.
Porque ela quis dar o seu número? Qual seu jogo? Será que ela fazia isso com todos pra tentar pegar o cargo permanente?
Passou tudo isso em frações de segundos em minha cabeça. Mas que mal teria? Peguei meu celular e anotei seu número, me despedi e segui para minha casa. Era muito longe do Bairro Santa Cruz, estava um pouco arrependido de ter dado carona a Cecília. Mas eu faria o que? Negaria e faria ela pensar como todos da escola? Que sou um coitado solitário? Já não bastava a Cristina, professora de biologia soltar boatos de que eu era apaixonado pelo senhor Rômulo? Cecília não me conhecia e eu queria ao menos causar uma impressão boa.


2

No outro dia de manhã, morrendo de dor de cabeça e com muito mal humor por ter dormido pouco, fui entregar as provas do segundo ano.
- Uma vergonha! - gritei - A nota mais alta foi cinco e meio! E eu não vou fazer recuperação, vão ficar com essas notas! - peguei a primeira prova - Henrique!
Henrique se levantou pra pegar a prova e eu disse:
- 0,4, bonito hein! É isso que você quer pra sua vida?
Com a prova na mão, voltando pra sua carteira, resmungou:
- Ser professor que não é.
Alguns alunos riram.
Quando ele sentou, fui até sua carteira e o encarei.
- Como é que é? - perguntei com a ameaça que não existia em mim.
- É, ué, eu não quero ser professor, pra quê vou querer saber gramática? Até o senhor sabe que é chato.
O puxei pelo braço para leva-lo para fora e um saco plástico enrolado em um fumo cai sobre o chão. Me abaixo para pegar.
- Dá meu negócio aqui! - gritou tentando pegar, enquanto eu segurava com o braço esticado pro alto.
- É disso que você quer viver? - gritei de uma maneira que só minha ex-mulher e o amante dela conhecia.
Nos empurramos enquanto tentava tomar de mim a maconha.
Com o barulho, a orientadora entrou na sala e me viu empurrar Henrique, fazendo-o cair.
- O que é isso, Célio? Meu Deus do céu! - chamou alguns funcionários para dentro da sala. - peguem os dois!
- Os dois? - gritei - esse moleque tava com maconha na sala de aula! - mostrei o saco (plástico) para ela. Ela pegou.
- Levem ele agora para a direção. - disse a orientadora se referindo ao Henrique.
Levaram-no enquanto ele se debatia.
- Célio, venha cá um minuto. - se dirigiu para fora da sala.
A sala estava em completo silêncio. Fui para fora.
- O que foi isso, Célio? - me olhou com a cara franzida.
- Você não viu? ele tava com maconha na sala, Helena.
- Você jogou ele contra à mesa! E se ele quiser dar parte de você? E a escola? - balançou a cabeça negativamente.
Fomos para a direção.
- Se ele dar parte? Ele tava com maconha... Helena!
Ela simplesmente me olhou.
Na sala da direção Henrique estava sentado e me encarava. A diretora também me olhava com as mãos sobre a testa.
- Vocês já ligaram pra polícia? - perguntei.
- É melhor resolvermos aqui, senhor Célio. O Henrique não é o único errado, pelo o que sei. - disse-me a diretora.
- Como não? Ele me enfrentou e tava com maconha! - falei com todo tom de indignação.
- Cala a boca! Você ... - tentou Henrique, até ser interrompido pela diretora.
- Eu falo aqui, ok? Helena, me dê esse negócio aqui.
Helena lhe entregou o papelote.
- Célio - me mostrou o fumo - Isso caiu do bolso dele? - fez um gesto com a cabeça apontando para Henrique. - ou ele tava usando na sala?
- Caiu, mas mesmo assim, isso é proibido, dona Marta! - Gritei.
- Seu Célio.... É proibido agredir alunos também. Quer perder o emprego e ver a escola mal falada ou resolver aqui? A senhora Helena e todos os alunos foram testemunha de sua agressão. - Disse a Dona Marta com tom da superioridade que sempre teve desde que era professora.
- Eu só empurrei ele, ele também queria me bater - falei pausadamente com o medo a me dominar.
- Olha - disse Marta tirando os óculos - eu vou ficar com esse negócio e vou dar um fim nisso. Célio, volta pra sua sala, que vamos resolver esse caso com o Henrique, ele irá receber um convite pra se retirar da escola, porque isso é grave, mas não ligaremos para a polícia, acho que não existe necessidade, no meu ver.
- Isso não é justo, Dona Marta... - falei calmamente, já com os olhos cerrados.
Saí da sala.
- Célio! - chamou Helena atrás de mim. Parei e me virei a ela.
- Se você não tivesse feito o que fez, não ia necessitar disso. Eu sei o que senhor quis, mas.... Na política de hoje, você só ia perder. Não existe mais controle sobre esses garotos.
- Eu não quis ser educador pra ser educado por essas crianças.
Saí pelo corredor rumo a minha sala. E a dor de cabeça ainda não passava.
- Podem fazer a troca de sala - disse a classe.
Não tinha mais aulas naquela manhã. Mas não quis sair da sala. Deitei sobre meus braços cruzados na mesa e fiquei assim por longos minutos. Meus pensamentos me perturbavam. Porque essa vida? Porque logo essa? Se eu fosse ladrão, ia ser menos discriminado.
Levantei a cabeça e abri os olhos, a claridade machucou meus olhos. Peguei meu celular para ver a hora; onze e vinte dois. Pus o celular sobre o canto da mesa. Cruzei meus braços e o celular tocou. Era Cecília.



Cap3...logo mais!
INSÔNIOS'

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