sábado, 27 de fevereiro de 2016

O vinho - Capítulo 3

Capítulo III - O Vinho.

- Alô?
- Célio?
- Oi!
- Eu tô aqui no Bonna Tu - era o restaurante que sempre vou no intervalo de almoço. - vamos almoçar?
Aquilo foi como a salvação milagrosa de um dia pior impossível.
- Claro! Estou indo para aí!
Ao passar pela recepção e a sala da direção, dona Marta me chamou.
- Sim?
- Espero que tenha entendido Célio...
- Não, não - interrompi ela - Fica em paz. Vou almoçar, tchau!
Ela me olhou sem entender minha mudança repentina de humor e disse:
- Se cuide, seu Célio.
Era engraçado como todos naquele lugar sentiam pena de mim. Mas não me atrapalhava mais, Cecília era uma boa companhia.
Entrei em meu carro e ganhei a rua. Chegando no Bonna, vi Cecília em frente ao restaurante. Linda como nunca. Sua beleza e juventude exalavam em sua camisa do doors, em sua calça jeans justa em suas belas pernas e sua bota alta. O cabelo preto e encaracolado contrastava em seu belo rosto branco. Ela sorriu para mim quando me viu. Devolvi o sorriso. Achei um lugar para estacionar e sai do carro.
A cumprimentei com um beijo e entramos.
- Tá na hora de comprar roupas novas, Célio! - Brincou Cecília.
Fiquei envergonhado. Mas era verdade. A anos tinha os mesmos sapatos, as mesmas calças, as mesmas camisas, porém, várias gravatas. Talvez devesse abolir meu estilo coxinha.
Uma moça nos atendeu.
- Uma mesa pra dois, por favor. - pedi.
- Pra dois? - repetiu a mulher, pensando talvez que Cecília não estivesse comigo, já que sempre vou sozinho.
- Sim, pra dois. - repeti.
Nos levaram até uma mesa na janela e nos sentamos. Pedi um vinho. Um vinho relativamente caro. Não para surpreender Cecília, mas é que mesmo sendo um professor falido, gosto de boas bebidas.
- Então, e o namoro? - Joguei a Cecília, queria logo saber. Já que tinha um namorado, porque me convidar pra almoçar num dia de folga seu.
- Namoro? Eu não namoro, Célio. - Ela riu.
- Não? Quem mora na Santa Cruz?
- Meu pai, Célio. Naquele dia fui vê-lo.
O garçom veio com o vinho e apenas uma taça. Fiquei puto.
- Por favor, traga duas taças. - olhei para Cecília.
- Duas? - me perguntou.
- Sim, duas! - levantei a voz.
- Ah, tudo bem. Trarei.
Olhei pra Cecília e sussurei:
- O que há com esse cara?
- Sei lá, hein - encolheu os lábios e levantou as sobrancelhas - mas então, você achou que eu namorava?
O garçom trouxe a segunda taça.
- Quer que eu encha? - me perguntou.
- Por favor?
Ele encheu e se foi. Apontei com os olhos para o garçom com uma expressão "olha o tipo do cara", franzindo as sobrancelhas. Cecília riu.
- Então, me diz, você pensou que eu namorava? E ia te chamar pra almoçar?
- Sei lá! Talvez pra arrumar o cargo permanente - disse-lhe com sinceridade.
- Olha Célio, se eu quisesse o cargo permanente, não seria através de você. - fiquei muito triste em ouvir isso. - se quis almoçar com você, é porque acho você um cara legal, você me ofende em pensar essas coisas.
- Desculpa...
O garçom trouxe o cardápio.
- Não vou querer nada - disse Cecília.
- Nem eu , rapaz. - disse ao garçom. Na verdade queria, mas não vou comer e ela não, né?
- Oi? - fez o garçom.
- Não vou querer nada, cara! - falei alto ao garçom.
- Então, Cecília, desculpa. É que - dei um gole de coragem (vinho) - não sou muito atraente e você, uma moça nova e tão bonita, devia sair com pessoas de sua idade, não um velho como eu...
Cecília pegou em minha mão.
- Não fala isso. Nenhuma mulher gosta de homem que se diminui. E para de tratar isso como namoro. Conheci você ontem e como me deu carona ontem, então quis retribuir almoçando com você.
- Então isso aqui é caridade? Um pagamento?
- Não... Nossa, Célio, quer que eu vá embora? Eu vou - pegou sua bolsa.
- Não! Senta aí. Me fala de seu pai.
Ela soltou a bolsa e riu com deboche.
- Não. Me fala de você. Quando vai declamar o poema pra mim?
- Ah, Cecília... Faz muito tempo. - disse com um sorriso envergonhado.
- Ah, declama aí, se você não declamar eu vou gritar, hein
- Ah, não.
- Declama! Declama! Declama! - começou a gritar no restaurante.
Me curvei pegando seu braço, enquanto ela gritava.
- Para, para, tá bom, tá bom. Vou declamar. - disse completamente ilhado.
- Ok. Manda, quero ouvir.
- Então recitei:
Eu queria ao menos ser o chão,
para que pudessem pisar em mim
sendo útil para esse fim
Sou só um homem,
que bebe, vive e tem fome
Mas ninguém pensa nesse homem
Só pisam nesse homem
as pessoas pisam, pisam e pisam...
Tratando-o como ninguém
confundindo-o com o chão
Mas nem valor pra isso ele tem,
eu queria ao menos ser o chão.

Matei o vinho e servi mais a mim. Cecília pegou com as duas mãos em meu rosto.
- É assim que você se sente? - me olhou com seus grandes olhos castanhos claros que me transmitiam paz.
- É. - respondi seco.
Me deu um longo beijo que pude sentir a saliva de sua boca. Tinha gosto de paixão.
- Nunca pisarei em você, Célio. Te prometo. Agora vai que seus alunos estão te esperando. Eu te ligo.
- Você é tão boa, Cecília.. Por quê?
- Porque você merece - me sorriu tão sinceramente que me apertou o coração
Fiquei parado alguns segundos tentando discernir o que acabou de acontecer e perguntei o que desde que a conheci me afligia.
- Esse seu sotaque. Você é argentina?
- Ela gargalhou.
- Não. Eu nasci na Espanha, vim pra cá com 14 anos. Como percebeu? nem tenho sotaque.
- Sou professor de português.
Uma pergunta idiota num momento tão romântico, esse era eu. Também pudera, só eu bebi o vinho.



Logo mais o Capítulo 4...
INSÔNIOS'

Nenhum comentário:

Postar um comentário